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Do outro lado dos discursos clássicos da cidade baseados na civitas, a sociedade; na pólis, o poder; e na urbis, o ambiente construído; surge a urbanização, caracterizada pela valorização do processo sem designar um lugar, tomando forma em qualquer lugar. O capitalismo global produz, também, um tecido não planeável e não planeado que, por si só, constitui um modo de urbanização, exigindo dos atores a compreensão do modo de vida das populações, com o fim de se encontrarem melhores e mais profícuas práticas de atuação. Portanto, entender o modo em vez de aplicar modelos externos aos lugares, hegemónicos, importados de outras geografias e previamente concebidos.

Em Cabo Verde, na cidade do Mindelo, a Iniciativa Outros Bairros (IOB) configurou um processo experimental de reabilitação urbana, através da escuta e da co-habitação nos lugares, de três zonas não planeadas: Alto de Bomba, Covada de Bruxa e Fernando Pó. Realizada a caracterização física e social do Alto de Bomba, única área onde se realizaram obras devido à inesperada interrupção política da Iniciativa, o processo dividiu-se em dois tipos de trabalhos: os pontuais, de pequena escala, mas que reabilitam locais que asseguraram as ligações às áreas consolidadas vizinhas; e o estruturante, que reorganiza a malha urbana e introduz as infraestruturas.

Importa, por fim, salientar que fruto da necessidade de criar, entre moradores e equipa técnica, uma cumplicidade construtora de sentido do comum, ao longo de todo o processo, se realizou um plano de ativação do espaço público do qual resultaram diferentes ações: “Praça Nho Jon”, ciclo de conversas com os moradores sobre sensibilidades locais; “Amdjer na Obra”, formação em contexto de mulheres calceteiras; “Kubaka”, residência artística sobre Hip-hop, a partir de um estúdio de música local; “Dsinrascá”, residência artística sobre audiovisual, a partir dos saberes locais; e “Somá na Ponta”, encontro realizado pelos moradores e pela IOB para discutir com os municípios o futuro da urbanização.

A Iniciativa Outros Bairros foi um processo coletivo de ação investigação com o objetivo de refletir sobres a urbanização em Cabo Verde. Atuou nas áreas de Alto de Bomba, Fernando de Pó e Covada Bruxa, Mindelo, São Vicente, realizando a reabilitação urbana do espaço público das mesmas, a partir do modo de vida da população do local.

Potenciou a construção de um espaço-tempo comum entre entidades governamentais e estas áreas. Esse espaço-tempo é mediado e vivido por uma pequena equipa de arquitetos, que se dotou a si própria de autonomia e de um relacionamento próximo com os locais. Em contraste com o urbanismo tradicional de grandes intervenções frias, assépticas, e de higienização urbana, Outros Bairros proporcionou a zona de relacionamento entre técnicos e moradores, portanto, a construção de comunidade, de uma forma em que a equipa translada para o processo vários princípios de atuação conjunta orientadores da sua forma de fazer projeto.

A forma institucionalizada de fazer projeto, determina um período de trabalho que fecha em si todo um dossier que veiculará as respetivas ações da sua concretização. Abrir esse processo à comunidade que recebe a intervenção, passa por uma mudança radical do projeto autoral - que pré-define um programa e um conjunto de soluções - para uma suspensão dessa conceção do arquiteto, no sentido de uma abertura à cosmovisão da população residente no bairro, bem como às soluções que o seu próprio quotidiano foi desenhando ao longo do tempo no espaço comum. Além disso, foi determinante a participação dos moradores quer nas dinâmicas de consciencialização social que possibilita a ativação do direito à cidade, quer nas dinâmicas e retornos da própria obra física, sobretudo pelo emprego e contrariar a precariedade local.

Título. Iniciativa Outros Bairros – Reabilitação Urbanística de Alto de Bomba

Local. Alto de Bomba, Monte Sossego, Mindelo, Cabo Verde

Data. 2019 | 2021
Arquitetura. Outros Bairros

Equipa de Projecto. Ângelo Lopes, Nuno Flores, Jakob Kling, Erickson Fortes, Elaine de Pina, Ema Barros

Fotografia. Ângelo Lopes, Marcelo Londoño

Cliente. Ministério das Infraestruturas, Ordenamento do Território e Habitação

Engenharia. Anyzabel Gonçalves
Paisagismo. Nuno Folores, Ângelo Lopes, Jakob Kling, Erickson Fortes, Elaine de Pina

Consultores. Manoel Ribeiro, Guilherme Gonçalves, Rita Rainho, Maria Estrela

Prémios. Archdaily Obra do ano 2022  |  20 Finalistas Aga Khan Award for Architecture |  PNA 2022 - Prémio Nacional de Arquitectura 2022

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